27.5.13

Falar com o corpo, sem saber



Falar com o corpo, sem saber
Miquel Bassols
TEXTOaCORPO#7

Falar com o corpo. A expressão não é óbvia e tem sua referência no Seminário 20, Mais, ainda, de Jacques Lacan, tal como oportunamente nos recordou Ricardo Seldes. (1) Vejamos o contexto: ―Falo com meu corpo, e isto sem saber. Digo, portanto, sempre mais do que sei. É aí que chego ao sentido da palavra sujeito no discurso analítico. O que fala sem saber me faz eu, sujeito do verbo‖(2). O que é, então, aquilo que fala com meu corpo sem que eu saiba? Há, no texto em francês, uma homofonia que convém assinalar: o sujeito ‒sujet‒ inclui o sabido ‒su‒ e o eu –je‒, o sujeito do verbo, do enunciado. Tal como havia indicado o próprio Lacan, um pouco antes, no mesmo Seminário, aquilo que fala com meu corpo e no qual deverei reconhecer-me, finalmente como sujeito, como Eu, não pode ser outra coisa que o Isso freudiano, o Isso pulsional que fala, que goza e que não sabe nada disso. Este Isso é, aqui, o sentido da palavra ―sujeito‖ no discurso analítico, assim referido por Lacan: ―Lá onde o isso fala, isso goza, e isso (não) sabe nada‖. É conveniente, efetivamente, forçar um pouco a gramática em cada língua para aproximar-se daquilo que fala com meu corpo como sujeito, aquilo com que acabarei identificando-me como Eu, no melhor dos casos. Há clínica que nos mostra que isso nem sempre é possível, nem necessário. Em algumas psicoses, por exemplo, o sujeito pode muito bem não se identificar com aquilo que fala em seu corpo. O corpo, então, vai por um lado e o sujeito por outro. Como alguém acaba por se identificar como sujeito, como Eu, com aquilo que fala com seu corpo? É um processo que sempre tem algum desajuste, lá por onde o Isso fala sem que Eu saiba, dizendo mais do que Eu sei, geralmente no sintoma.

Tudo isso supõe, em primeiro lugar, que um corpo não fala por si mesmo, pelo contrário, que um corpo é aquilo com que o Isso fala, com o que fala o sujeito pulsional, se essa expressão tem sentido, na medida em que a pulsão é acéfala, sem sujeito. Um corpo não fala por si mesmo, é preciso que esteja habitado, de 
alguma forma, pelo que escutamos como o desejo do Outro. Pode parecer óbvio novamente assinalar, mas, não o é, de modo algum, pelo menos para a ciência de nosso tempo para a qual os corpos dizem, falam por si mesmos, significam coisas com um saber já escrito neles, seja no gene ou no neuroma. O sentido que tem o termo ―sujeito‖, para a psicanálise, implica, ao contrário, que um corpo não fala por si mesmo, mas, que ele é, antes, falado pelo Isso, pelo sujeito do gozo, sem saber nada disso.

Falar com o corpo é, então, uma experiência muito precisa se pensamos, ademais, que um dos ideais da ciência de nosso tempo é, precisamente, pode falar sem o corpo.

Vejamos, por exemplo, o que disse o cientista Kevin Warwick, engenheiro, professor de Cibernética na Universidade de Reading, conhecido por suas pesquisas em robótica e sobre a interface corpo-computador. São pesquisas deste tipo que marcam o horizonte em que o sujeito deste século já faz a experiência de seu corpo como algo separado; dele separável enquanto sujeito, anexável em toda série de artifícios técnicos, aprimorável em todas suas qualidades e, finalmente, parcializado no que conhecemos como o corpo despedaçado anterior ao estádio do espelho. Em sua recente passagem por Barcelona, Kevin Warwick, apelidado Capitão Cyber, que agora tomamos como porta voz de um cientificismo em alta, afirmou sem nenhuma sombra de dúvida: ―"Nosso corpo já é somente um estorvo para nosso cérebro".(3) Evidentemente, a primeira pergunta que poderíamos lhe fazer é se ele deixou de considerar ―"nosso cérebro" como uma parte de ―"nosso corpo". O problema não é banal, está no centro das neurociências atuais, quando tentam definir os limites do corpo em relação à mente, em dualismo que retorna, sem cessar, apesar de considerá-lo resolvido. Mas, veremos que esse ―"nosso" termo simbólico que deveria fundar a unidade do corpo em questão, termo criado, por sua vez, em identificação com aquilo que fala com ―"nosso" corpo, esse ―"nosso' é antes vacilante e, no final das contas, absolutamente prescindível para a ciência. Depois que o corpo está fragmentado em diversas partes, nenhuma das quais inclui necessariamente a identidade do ser que fala, o conjunto ou a unidade que podemos recompor com técnicas cada vez mais sofisticadas não assegura tampouco algum tipo de identificação nem de identidade: ―"Ai está o problema! A grande incógnita do futuro é nossa identidade", exclama então o cientista que crê ‒é uma crença‒ que a identidade do sujeito é um dado inscrito no real do organismo, como se fosse uma qualidade inerente à sua natureza.

A imagem que se desenha, no horizonte do avanço tecnocientífico, embora pareça mais uma realidade de ficção ciência é, então, a seguinte: uma rede de cérebros conectados entre si, sem necessidade de suportar esse resto de funções prescindíveis em que se resumiria um corpo. O ideal que acompanha esta imagem é tão explícito como o que levou Kevin Warwick a tentar vencer os insondáveis problemas de comunicação que parece ter com sua mulher. É o ideal de uma conexão direta, cérebro a cérebro: ―"Estava claro que tínhamos um problema de comunicação. Desse modo, um dia conectamos meu sistema nervoso à sua mão e, quando ela se movia, eu recebia os impulsos de meu cérebro e nos comunicávamos com código morse". Trata-se de uma experiência que se realiza de forma literal, sem metáfora alguma, como aquela em que o poeta encontra no amor: ―"Não sou senão a mão com a qual você apalpa"(4). De fato é uma forma, como outra qualquer, de crer que a relação sexual pode se escrever, neste caso em código morse, e que os sujeitos podem se falar sem a necessidade de passar pelo gozo do corpo, de seu bla-bla-bla tão generoso como ineficaz do ponto de vista do conhecimento científico.

O problema com que Kevin Warwick se deparava, por esta via, é indicativo de outro real que se agita nos corpos e não parece ser reduzível ao real que a ciência aborda com seus instrumentos. É o real da própria linguagem, o real que aprendemos a situar com o termo lalingua. Se o sujeito tampouco assim conseguiu a correta comunicação com sua mulher é porque o engenho ―encontrou com a mesma barreira que nós encontramos: a interface entre cérebros, a linguagem [...] Comparada com o instantâneo e preciso da transmissão na rede neuronal, nossa linguagem é um código ambíguo e impreciso... E falar, que lenta e primitiva maneira de emitir e receber ondas sonoras!‖. Dessa forma, se os corpos se tornaram um estorvo, a linguagem humana, que se mostra absolutamente inexata e ineficaz, equívoca e parasitária, imbuída de um gozo inútil, também o será. Permanece, todavia, na opinião do próprio cientista, um resto impossível de eliminar: essa presença da linguagem nos corpos, um real do qual esse gozo inútil é o melhor testemunho.

Foi exatamente neste gozo inútil onde a psicanálise encontrou o sujeito do Isso, aquele que fala sem que eu saiba, esse Isso que sempre era -―"Onde Isso era..."- e ao que Eu, como sujeito, devo advir, retomando a fórmula da ética freudiana relida por Lacan. E Isso sempre fala, embora o faça de modo que parece primitivo, Isso sempre goza lá onde o sujeito menos sabe. E, também no cientista.

Retomemos, então, a preciosa expressão de Lacan: falar com o corpo será sempre o melhor testemunho deste Outro que a psicanálise descobriu com o nome de inconsciente, e que nos convoca, com tanto entusiasmo, para nosso próximo VI ENAPOL.

Tradução: Ilka Franco Ferrari

(1) Em “Presentar el cuerpo”, consultável na Web do 
ENAPOL: http://www.enapol.com/es/template.php?file=Textos/Presentar-el-cuerpo_Ricardo-Seldes.html
(2) Jacques Lacan, O Seminário, livro 20, Mais, ainda, Jorge Zahar Editor, 1985, p.161.
(3) Ver a entrevista no Jornal “La Vanguardia”, do dia 19 de Novembro de 
2012:http://www.lavanguardia.com/lacontra/20121119/54355365278/la-contra-kevin-warwick.html
(4) Evocamos aqui o poeta catalão Gabriel Ferrater: “No sóc sinó la mà amb què tu palpeges”.

24.5.13

Falar com qual corpo?




Patricio Alvarez 
Director VI ENAPOL 

Em Lacan temos, no mínimo, três teorias sobre o corpo. Com elas se elabora uma clínica que vai se tornando complexa.

As normas do Ideal do eu constroem o corpo especular. Na base está a norma principal que a regula: o Nome-do-Pai. Lacan constrói sua clínica das estruturas a partir dessa relação entre simbólico e imaginário. Mas, dessa clínica estrutural se pode depreender também uma clínica do corpo: assim, o corpo fragmentado esquizofrênico se opõe à multiplicação das imagens do semelhante na paranoia, onde Schreber percebia as quarenta ou sessenta almas de Flechsig. A dissolução imaginária da histeria, na qual um corpo tem a mobilidade das metáforas e metonímias, opõe-se à fortificação egóica do obsessivo, que infla seu narcisismo e faz com que o semelhante se perca em seus labirintos.

Essa é, também, uma clínica onde a norma fálica organiza o corpo. Nela a fobia arma o mapa do corpo ameaçado pela castração e se opõe à perversão, na qual o corpo que se traveste ou agrega ao outro a decoração de um sapatinho são modos de produzir o falo imaginário e, assim, desmentir a ameaça.

Uma vez construído o grande edifício das estruturas clínicas, o real entra em cena, agitando a harmonia das normas simbólico-imaginárias, e o grande edifício é habitado pelo objeto a.

Este segundo corpo não é tão simples. Consiste em um corpo topológico, no qual há um furo central provido de uma borda, a zona erógena freudiana, e ao redor dessa borda constrói-se a superfície do corpo, na qual acontecerá a identificação especular. A isto se acrescenta outra operação simbólica, a castração, que simboliza o furo como falta e dá unidade ao corpo.

Com o objeto a se constrói uma segunda clínica do corpo, mais sutil: pequenos detalhes marcam o erotismo dos corpos, orientam a eleição amorosa, determinam as paixões. A neurose coloca em jogo a relação entre corpo e angústia. A psicose demonstra a relação entre objeto e imagem e, assim, o paranoico espancará no semelhante o kakon, esse mal que localiza no Outro. O autista, que não dispõe do furo real, terá a maior dificuldade para construir uma borda e, com ela, um corpo. O esquizofrênico dispõe do furo e suas bordas, mas, não consegue montar, com seus órgãos, uma unidade corporal.

O sádico grita triunfante: “tive a pele do imbecil!”! Isso, ao obter o reverso do gozo do corpo da vítima. O voyeur tentará ver pelo buraco da fechadura o que está mais além da cena, e o exibicionista mostra o que o véu do pudor oculta.

Nesta segunda clínica do corpo também poderá ser localizado o que ficou fora das estruturas: a violência, cujo excesso passa dos limites das normas, o acting que coloca em cena o que o Outro não aloja; as tatuagens que tentam passar o gozo à palavra por meio da escrita, o fenômeno psicossomático que passa o gozo à escrita sem palavra; a angústia não localizada que não encontra um limite, a passagem ao ato que demonstra que o limite não existe; a depressão como queda da causa do desejo, as adições como acesso a um gozo que degrada o desejo.

A terceira teorização do corpo é mais complexa ainda, e poderíamos dizer que está em construção: a do acontecimento do corpo. Nela, o inaugural já não é a imagem especular, nem sequer poderíamos dizer que ele seja o furo topológico. Há algo anterior, que as produz, que é a entrada das marcas iniciais, contingencias de um gozo Um, que constituem o falasser. É outro corpo, o corpo vivo, o corpo em que ocorre o que Lacan define como acontecimento: “somente há acontecimento de um dizer”. Deve haver consentimento para esse dizer, que faz furo no corpo com o fora do sentido da lalingua, que faz ressoar a pulsão como eco no corpo de um dizer, e que o parasita com a linguagem. É, portanto, um corpo que fala. Como disse Lacan, é “o mistério do corpo que fala”. De forma mais simples podemos dizer: é um corpo falado por certas contingências de um dizer, que produziram acontecimento, e é um corpo que, com seu dizer, faz acontecimento.

Mas, há um problema. E isto é muito intuitivo. Desta terceira conceituação do corpo falta depreender sua clínica. Falta depreendê-la porque ainda não há. Para construí-la deveríamos tentar não explicá-la por meio das duas clínicas anteriores, porque com a primeira soubemos que o significante marcava o corpo e, com a segunda, que há gozo no significante. A terceira, talvez, inclui as duas anteriores, mas, então, o que a distingue? Já que uma clínica se baseia no particular da classe, talvez não se tenha que construí-la, mas, designar o que há de mais singular nesse corpo que fala. São muitas perguntas. Um Encontro Americano poderia nos servir, talvez, para respondê-las.

Pode ser que em 1998 o professor J.-A. Miller falasse com o bom Deus, e soubesse que haveria um ENAPOL em 2013 que se chamaria “Falar com o corpo”, que teria um cartaz um pouco estranho, com
alguns homenzinhos desumanizados e, por isso, escreveu em A experiência do real: “E falar com seu corpo é o que caracteriza o falasser. É natural que o LOM, algo desumanizado graças a esta grafia, fale com seu corpo”.

Tradução: Ilka Franco Ferrari

Bibliografia:

Dissolução imaginária: Lacan J., O Seminário, Livro 3, aula VII.
Corpo topológico: Lacan, J., O Seminário, Livro 9, aula do 16-5-62. Inédito.
Castração, falta e corpo: Lacan, J., O Seminário, Livro 10, aulas III, IV e VII.
Autista: Lacan, J., O Seminário, Livro 1, aulas VI e VII.
Esquizofrenia: Lacan, J., “O aturdito”, em: Outros Escritos.
 Sádico, voyeur, exibicionista: Lacan, J., O Seminário, Livro 10, aulas XII e XIII.
Tatuagem: Lacan, J., O Seminário, Livro 11, aula XVI.
Fenômeno psicossomático: Lacan, J., O Seminário, Livro 11, aulas XVII e XVIII.
O mistério do corpo que fala: Lacan, J., O Seminário, Livro 20, aula X. Eco de um dizer, no corpo: Lacan, J., O Seminário, Livro 23, aula I.

21.5.13

Apresentar o corpo

O VI ENAPOL - Buenos Aires 22 e 23 de Novembro de 2013. O Boletim CORPOaTEXTO #2 encontra-se em: http://www.enapol.com/Boletines/002.pdf



Ricardo Seldes
Presidente del VI ENAPOL

O VI ENAPOL FALAR COM O CORPO, A CRISE DAS NORMAS E A AGITAÇÃO DO REAL, é um título provocador, aponta à interrogação acerca da renovação de nossa prática no século XXI, quando o mundo vive sob a perspectiva do todos loucos, todos delirantes, efeito da chamada desvalorização do Nome do Pai. A psicanálise deve jogar sua partida, o menos delirantemente possível, com relação ao real do qual dá testemunho o discurso da civilização hipermoderna.

A partir de qual perspectiva? O discurso do mestre, produto da combinação do discurso da ciência e do capitalismo, está hoje enlouquecido pela proliferação das etiquetas e influi de forma direta sobre os corpos e as maneiras de viver a pulsão. A psicanálise e seu discurso participam do movimento da modernidade, onde se evidenciou o caráter artificial, construído, do laço social, das crenças, das significações. A prática freudiana abriu a via ao que se manifestou como uma liberação do gozo nas sociedades em que prevalecia o mal-estar por frear, inibir, reprimir o gozo. Certamente não no sentido em que Sade o propunha. Miller o diz literalmente em sua Fantasia como esta prática contribuiu para instalar a ditadura do mais de gozar, e por isso mesmo deve fazer-se responsável das consequências desse grande êxito. Consequências que são vividas por muitos como catástrofes: a destruição da natureza, a perda das tradições familiares e especialmente a modificação dos corpos.

A partir da construção da biologia lacaniana por Jacques-Alain Miller compreendemos que a ciência biológica se preocupa com os algoritmos do mundo vivente, e incide com suas mensagens sem equívocos, isto é, com seus programas.

Desde os algoritmos não se pode saber que é um ser vivo, mas podemos afirmar com Lacan que o gozo dos seres habitados pela linguagem é do corpo, ou melhor dito, que de um corpo se goza. E se dermos uma pequena volta a mais diremos que o corpo vivo é a condição do gozo.

O que implica para a psicanálise falar com o corpo quando a agitação do real provoca exigências de uma linguagem sem equívocos? Interrogarmos a relação do corpo com a fala nos conduz à questão da efetividade de nossa prática, renovando também as perguntas sobre como é possível com o simbólico tocar o real, ou como o autismo da aparola sem diálogo pode relacionar-se com o Outro. Se o Outro é o excluído do Um, se é o menos Um, então o Um vem do significante ou do corpo?

Lacan propõe em suas duas últimas aulas do Seminário 20 que, para além da busca de um modo de transmissão integral pela via dos matemas, sempre nos encontraremos com uma verdade, que se fala sem saber. O enunciado nunca coincide com a enunciação. “Falo com meu corpo e sem saber. Logo digo sempre mais do que sei”.

E se há algo, o que não se sabe como fazer, isso nos orienta na dimensão do real. Se a finalidade do gozo está à margem da reprodução e da conservação da vida, nos encontramos com a incumbência do impossível de inscrever a relação sexual entre dois corpos de sexo diferente, a abertura pela qual o mundo nos toma como parceiro.

Trata-se então do corpo que fala na medida em que só consegue se reproduzir graças a um mal-entendido de seu gozo. Não se reproduz senão se equivocando sobre o que quer dizer, e o que quer dizer não é senão seu gozo efetivo. É a diferença entre a vida e a verdade: uma fala na palavra e no corpo e por isso não se sabe o que se quer, a outra não fala e deseja transmitir-se, durar, não terminar nunca. Os corpos da espécie humana estão enfermos da verdade. Como encontrar uma relação certa com o real?

Quando nos dedicamos a tratar sobre o corpo, apontamos para a noção de satisfação. O homem tem um corpo afetado pelo significante, que encontra distintos tipos de satisfação conhecidas ou desconhecidas. O gozo é o produto de um encontro contingente do corpo com o significante, encontro que mortifica o corpo, mas ao mesmo tempo recorta na carne o vivo que anima o mundo psíquico. Isso origina acontecimentos de corpo que não são simples fatos de corpo, dado que produzem um corte, um antes e um depois: momentos memoráveis, traços inesquecíveis, um advento de gozo, fixações que não cessam de exigir o cifrado simbólico do inconsciente. Trata-se de um corpo que não fala, que goza no silêncio pulsional, e ao mesmo tempo é com esse corpo que se fala, que o falasser usa para falar. Também para produzir o sintoma analítico. Será preciso investigar como.


Coloco reticências sempre úteis quando se quer indicar a existência de uma pausa transitória ou para dar lugar ao suspense.

A investigação que começa agora e durará ao menos um ano, (a comissão de bibliografia se dedica a colaborar conosco e nós com ela) é para buscar decifrar o que significa falar com o corpo, e como isso nos compromete a repensar e atualizar nossos conceitos como, por exemplo, o lugar das identificações ao situar o sintoma histérico hoje até a posição feminina do corpo como tal. Assim, quero anunciar-lhes o extraordinário texto de Éric Laurent, FALAR COM O PRÓPRIO SINTOMA, FALAR COM O PRÓPRIO CORPO, que é uma verdadeira orientação para as investigações sobre o nosso Encontro que poderão ler muito facilmente a partir deste momento na página que encontrarão na página web do ENAPOL, com seus Blackberrys, Iphones, IPads e todo elemento internáutico.

Neste instante de apresentação, de abertura e de formulação de nossos interrogantes, a pausa é para passar a palavra a Patricio Alvarez, Diretor executivo do VI Enapol. Ele com Piedad Spurrier da NEL e Sergio Laia da EBP, integrantes da direção, junto com a comissão organizadora, estou seguro, pelo próximo ano, darão o que falar.

Tradução: Elisa Monteiro




18.5.13

Falar com o corpo: A crise das normas e a agitação do real

Um novo Encontro Americano toma existência entre nós: o VI ENAPOL -Buenos Aires, 22 e 23/11.

O boletim CORPOaTEXTO será o meio para lhes informar, entrar em contato, debater e pesquisar.
Abaixo, a Apresentação, do dia 27 de outubro, nas Jornadas da NEL em Medellín, de Elisa Alvarenga, Presidenta da FAPOL (Federação Americana da Psicanálise da Orientação Lacaniana), disponível no primeiro boletim, o primeiro de uma série...http://www.enapol.com/Boletines/001.pdf.




Falar com o corpo
A crise das normas e a agitação do real

“O que é um corpo?o corpo é o que sobrevive ao naufrágio do simbólico.”
(Jacques-Alain Miller, citado por Eric Laurent na ENAPOL III, 2007, BH)(1) 

Nos tempos de uma nova ordem simbólica, que não da conta da desordem no real falaremos com o corpo frente à crise das normas e a agitação do real (2). 

A crise das normas se manifesta, entre outras coisas, como crise das classificações, que para nos se apresenta com a clínica continuista no último ensino de Lacan. Trata-se de diferenciar esta clínica, por exemplo, da clínica dimensional do DSM V, que teremos no próximo ano.

Como se manifesta a agitação do real? Violência, infrações, agressividade, automutilações, sintomas alimentares, drogas, alcoolismo, pânico, solidão, passagens ao ato, hiperatividade. O mal-estar na civilização cresceu muito desde Freud. A desordem na civilização provoca o acesso excessivo aos psicotrópicos, às psicoterapias autoritárias, aos intentos de regular, avaliar.

Frente a isso, qual é a potencia do discurso analítico? Embora seja filho da ciência e do capitalismo, sua potencia vem do fato de que é desmasificante, que rompe com os discursos conformistas. Na época do Outro que não existe, na análise se inventa um Outro à medida de cada um. Nem sempre esse Outro é suposto saber - temos aí o Um sozinho. Um exemplo é a epidemia de jovens que não saem das suas casas, que dormem durante o dia e passam a noite com seus computadores. Se no há inicialmente sujeito suposto saber, há sintoma. O sentido pode desaparecer, porém o real do sintoma permanece.

O encontro do significante com o corpo produz um acontecimento do corpo, o surgimento de um gozo que nunca retorna a zero. Para fazer com isso sem o inconsciente simbólico e suas interpretações, é preciso tempo. Se trata ai de um novo conceito, o inconsciente real que não se decifra, senão que causa o ciframento simbólico do inconsciente.

Se o corpo não fala, senão que goza no silencio das pulsões, é com esse corpo que se tratará de falar, de fazer falar. Falar com o corpo está no horizonte de toda interpretação, e pode vir em seu lugar, tanto para o analisante como para o analista. O analista oferece o seu corpo para que o paciente aloje seu excesso de gozo e faça existir o inconsciente. A análise dura enquanto o insolúvel de cada um seja impossível de suportar. A análise termina quando o sujeito está feliz de viver, diz Lacan (3).

Invitamos a todos os aqui presentes a tomar suas perguntas e temas de trabalho, se organizando em cartéis com seus colegas, com colegas de outras Sedes e mesmo das outras duas Escolas de América, a EOL e a EBP. Encontraremos-nos, de novo, com nossos corpos, dentro de um ano, em Buenos Aires, renovando o prazer que tivemos de estar e trabalhar juntos aqui em Medellín.


(1) Cf. LAURENT, E. : A Classificação, in Opção Lacaniana 51 , SP, abril 2008, p. 120.
(2) Cf. MILLER, J.-A. : Parler avec son corps, in Mental 27/28, Eurofédération de Psychanalyse, septembre 2012, p. 127-133, y MILLER, J.-A. O real no século XXI, in Opção Lacaniana 63, SP, junho 2012, p. 11-19.
(3) Cf. LACAN, J. : Conférences et entretiens dans les universités nord-américaines, in Scilicet 6/7, Paris, Seuil, 1976, p. 15.

Tradução: Laura Arias





10.4.13

A propósito das simultâneas do Pipol 6


A instituição, a singularidade e o vazio
Lacan Cotidiano 303

Em nossa época de Após o Édipo, na qual o simbólico se torna cada vez mais incapaz de fazer um lugar para o real, tudo isto que trata do inesperado, do incalculável e do imprevisível, é temido. Este mundo contemporâneo - onde o mercado propõe um universo onírico, onde a ciência procura medir e controlar o real  até o ponto de fazê-lo desaparecer – este mundo encontra eco no refrão da música da famosa banda de rock britânica Radiohead: "Sem alarmes e sem surpresas”. (NO SURPRISES - Radiohead (letra e vídeo) letras.mus.br/radiohead/63014/ Assim, interrogaremos Pipol 6 sobre o fato de saber como conceber uma apresentação clínica que possa transmitir um real rejeitado por nossa civilização.
Além disso, como valorizar a singularidade do sujeito prejudicado pelos discursos normativos? A questão surge porque acreditamos que a existência deste real contingente que orienta a psicanálise lacanianadepende não somente da clínica mas também de sua transmissão. Uma obra do artista contemporâneo Pablo Reinoso nos permite pensar essa problemática.



O quadro da instituição
"Quadro" é o título que o artista escolheu para a peça que representa uma moldura tradicional em madeira, mas na qual as varas que constituem um dos quatro ângulos se emancipam da forma instituída, se inter-tecendo, enovelando-se de uma maneira singular. Reinoso faz com a madeira o que Gaudí fazia com a pedra.
Este ângulo - que, apesar de sua originalidade não excede os limites do retângulo estabelecido pela borda externa do quadro - chama a atenção do espectador convidado a reconhecer num objeto comum, já visto, um detalhe que faz nascer algo novo. Em outras palavras, no que é instituído, no que sabemos, no que podemos antecipar da forma tradicional que permite identificar um objeto, o artista apresenta o inesperado que faz irrupção e surpreende.
Nas simultâneas do Pipol 6, tratar-se-á de incluir na construção do caso a dimensão institucional. Como compreender isso? A noção de instituição pode ser captada no sentido clássico de lugares como a escola, o hospital, o centro de saúde mental e até mesmo o divã[i], mas também no sentido do que é rotina, regularidade, costumes e regulamentos. No entanto, o que faz esta regularidade para o sujeito, é este quadro, esta tabela de leitura, que Lacan chama de "janela do fantasma". Portanto, esta obra de arte evoca, em primeiro lugar, a dimensão institucional no que o quadro tem de tradicional.

A singularidade
Mas, como dizíamos acima, esta obra tem a particularidade de apresentar em um de seus ângulos uma série de nós que introduzem, na forma clássica, uma singularidade que tem a ver com o que é mais íntimo do sujeito. Assim, o artista destaca uma novidade, criando uma tensão entre duas ordens: o estabelecido e o inédito. Os nós surpreendem porque fazem parte de uma forma conhecida e, ao mesmo tempo, nela transbordam. Este objeto permite apreciar como estas duas dimensões, o estabelecido e a novidade, coexistem sem excluir, e ilustra a forma como o quadro, e o que ele representa da estrutura, é necessário para que a invenção própria do sujeito possa  emergir como uma surpresa[ii].
Além disso, a originalidade deste quadro que tem a propriedade de vincular a estrutura e os nós, parece-nos uma metáfora feliz da maneira como o primeiro e o último ensino de Lacan podem se articular na experiência da psicanálise.
Nesta direção, acreditamos que o Após o Édipo não implica em sair da noção de estrutura, mas em insistir no um por um, situando em cada caso clínico o que é da ordem do real, do simbólico e do imaginário. A direção do tratamento, em nossa época, então, depende cada vez menos da referência estrutural.

O vazio
No entanto, como Jacques-Alain Miller pôde dizer em Comandatuba, o único princípio que rege a prática lacaniana é o "isso falha". Quando entendemos como uma interpretação operou, não se trata de uma interpretação analítica[iii]. Se a surpresa é uma falha no estabelecido, um erro no padrão, poderíamos dizer que o "isso surpreende" é uma variação possível do "isso falha".
Assim, o "quadro" de Reinoso não é um quadro a mais, da mesma forma que a roda da bicicleta de Duchamp, elevada ao status de objeto de arte, não é qualquer roda[iv] . Ele não tem a função de todos os outros quadros, aquela de contornar uma representação. Ele permite, ao contrário, identificar a imensidão do fundo, isolando um pedaço da parede. Ele faz existir um vazio de representação ali onde não havia nada. O artista nos surpreende ainda uma segunda vez, convidando-nos - como Lacan no Seminário 19 [v]– a olhar o que passa geralmente despercebido: a própria parede. Esta modalidade da surpresa não é, parece-nos, da mesma ordem que aquela produzida pelos nós porque ela não se deduz das leis impostas pelo quadro, ela não tem qualquer relação com o que a delimita.
Assim, aplicando esta obra ao tema das simultâneas, nós poderíamos dizer que é graças a este quadro da construção do caso, incluindo o instituído e a invenção singular que o que não pode ser dito é cernido e se torna, a partir desse momento, suscetível de ser transmitido. Gil Caroz[vi] com Bruno De Halleux o explicaram assim: “O que me surpreende a cada vez é um sentimento de não ter sabido dizer o essencial”.
Como se no coração do que relatamos de nossa clínica, de nossas pesquisas, de nossos avanços, se alojasse um indizível, uma coisinha pequena qualquer que vale tanto quanto um núcleo invisível, uma causa intransmissível, condição para que esta clínica possa se desenvolver. O esforço de construir um quadro na escrita de um caso visa, então, a fazer surgir um vazio de representação cernindo/identificando um real que é menos narração de uma história que série de fragmentos isolados por uma lógica. A aposta é alta porque se "o futuro da psicanálise depende do que surgirá deste real"[vii], a existência desse real, em parte, depende do discurso analítico.
No Pipol 6, que se inscreve nos desenvolvimentos de Jacques-Alain Miller sobre O Um-todo-só – L´Un-tout-seul -, esperamos poder apreender alguma coisa da ordem da falha, ali onde houve uma surpresa no instituído. E fazendo emergir o que escapa ao norma-mâle – norma-macho - que o que não pode ser dito nem representado, seja o feminino, este "núcleo invisível" pode se identificar e se transmitir. Porque para que o feminino encontre um lugar no futuro, aqueles que se orientam pela psicanálise lacaniana têm um papel a desempenhar na civilização. Ao colocar de si,  estando ali e fazendo parte de uma comunidade analítica porque não há transmissão sem corpo e sem outros[viii].
Laura Petrosino
___________________________________________________________
i Bassols, M., « Présence de l’institution dans la clinique », PIPOL NEWS 4 :
ii Nous nous inspirons des développements de Jacques-Alain Miller dans son article « Introduction à     l’érotique du temps », La cause freudienne n°56, Paris, Navarin, pp. 63-85.
iiiMiller, J.-A., “Une fantaisie”, Mental, n° 15, 2005, pp 9-27.
ivNous nous inspirons du travail de Gérard Wacjman dans L’objet du siècle, Paris, Verdier, 1998.
v Lacan, J., « …ou pire », Séminaire livre XIX, Texte établi par Jacques-Alain Miller, Seuil, Paris, 2011.
vi Caroz, G., “Le cas, l’institution et mon expérience de la psychanalyse », Pipol News n°2 :
vii Lacan, J., “La troisième”, La Cause freudienne n° 79, Navarin, p. 32.
viii cfTroianovski, L., “Para que algo resuene hace falta el cuerpo. La transmisión en psicoanálisis”. À apparaître dans Pipol News.
ix Novarina V., Devant la parole, Paris, Éditions P.O.L., 1999, p. 16, cité par Philippe Lacadée, in Vie éprise de parole, Paris, Éditions Michèle, 2012, p. 13.
x Lacan J., Le Séminaire, livre XXIII, Le sinthome, Paris, Seuil, p. 31.
xi Lacadée Ph., op. cit., p. 146.
xii Ibid., p. 148.
xiii Ibid.
xiv Ibid., p. 188.
xv Ibid., p. 156.
xvi Cf. Miller J.-A., « Clinique ironique », La Cause freudienne n°23, février 1993.
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Chamada de contribuições para as simultâneas do Pipol 6:
Informações em Pipol News 27

14.2.13

O que é que se transmite, do pai e/ou da mãe, à criança?


Transmissões

Por Daniel Roy
 Lacan Cotidiano 275


O que é que se transmite, do pai e/ou da mãe, à criança? Esta questão encontra-se no centro dos posicionamentos atuais sobre a extensão da família « conjugal », e que já engloba diversos modos de «fazer família» - casamento, PACS, família dita « recomposta », casais homossexuais com filhos – e mesmo, possivelmente os casais homossexuais casados. A psicanálise, tão frequentemente desacreditada, é convocada neste ponto para carimbar a necessidade natural ou simbólica, e segundo, um modo de transmissão normatizado , para o bem-estar da criança : um papai + uma mamãe.

1- A transmissão: o que é irredutível?
A extensão atual de uma conjugalidade do tipo «familiar» sublinha a função «residual» da família no corpo social, indispensável a transmissão de uma constituição subjetiva.  O que é irredutível não é a transmissão da vida – pais ditos biológicos, o direito às origens, etc. – mas a relação com um desejo que não é anônimo.Isto não se opõe em nada com o fato de que os sujeitos tenham conhecimento das condições de sua vinda ao mundo, isto indica, apenas, que o vivo da questão da transmissão atravessa estas   diversas representações, necessariamente presentes.

2- As funções do pai e da mãe : à qual necessidade respondem?
Torna-se extenuante definir uma repartição de  « papéis » maternos e paternos : diversos corpos falantes fazem-se hoje os suportes dessas duas funções, fora de toda repartição «natural» (sexo) ou «cultural» (gênero). Portanto, o que são estas funções? A função paterna, indica apenas uma coisa: a necessidade da castração! É muito, já que trata-se de encarnar uma autoridade que não tem a não ser a garantia da palavra. A função materna, indica a necessidade de transmitir a marca de um interesse particularizado, ou seja, a presença de um desejo. Então, aqui estamos de volta ao ponto de partida (um papai + uma mamãe)? Não de todo: cada ser falante pode se fazer o suporte destas duas funções, isso esta aberto. A única certeza, é que o fará às suas próprias custas. Portanto, não é de forma alguma certo que esses nomeados «os pais » façam o trabalho: neste caso, a criança vai lidar com isso de forma diferente.

3- O que conta, é o que vem deles, isso não é porque sejam dois, de sexos diferentes. De qualquer modo, para cada um deles, a diferença dos sexos existe e os dividem, ou mesmo os afligem. O princípio permanece de não «combinar» demasiado os pais, quer eles sejam homo ou hétero: nos melhores dos casos, o que os une, ou os desune, é enigmático para a criança.
Mas o que uma criança pode, portanto, receber de um homem ou de uma mulher, enquanto que eles se reconhecem «pai» ou «mãe»? Para um pai, Lacan sublinhará que inevitavelmente, a criança cairá sobre o seu «pecado», sobre a sua falta: ele vai fazer bem, nomear com ardor, pois, nunca esgotará o gozo da língua...encarnado pela mãe, aquela que ensina a sua criança a representar !
Então, um pai sempre carente – irá transmitir a castração -, uma mãe que institui a mascarada – transmitindo o particular do seu desejo: extrai-se aqui da « conivência social » que continua a fixar a criança à mãe, fazendo-a «a sede eleita das interdições» (Ah, o incesto e o incestuoso que sempre ameaçam).

4- Há um mal-entendido !
O mal-entendido « que sua linhagem lhe transmitiu dando-lhe a vida », consiste no fato de que não há nada de natural, nem de sobrenatural, para fazer laço entre um pai, uma mãe e uma criança. Não tem nada de outro para ligar os membros da família – qualquer que seja a sua composição -, que este enigma evidenciado por Freud, que nenhum ser falante saberia « de onde vêm as crianças ». Assim, os seres falantes não estão em dívida, no que diz respeito, aos seus pais, porque eles lhe « deram a vida », mas porque eles lhes transmitiram esta falta, este defeito inerente a todo discurso, por não poder dar conta da aparição de corpo falante no real, que não seja, pelo mal-entendido da palavra.
Assim, de nenhuma forma, estas funções paternas e maternas, liberadas pela psicanálise, não podem fundar uma norma « familiar », e as diversas famílias, qualquer que seja suas constituições, podem ser, para o pequeno do homem que é ai acolhido, o lugar desta dupla transmissão :
1) que o habitat da linguagem com efeito é o lugar de uma separação - a castração -,
2) que há de inventar com a alíngua um saber-fazer com o gozo – com a mascarada -.
O fracasso é, portanto, aqui a única norma: os avatares da família moderna o ilustram com estrondo(s), conjugando separações e mascaradas nas configurações inéditas !



Parágrafo 1 e 2: Lacan J., « Nota sobre a criança », Outros escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003, p. 369
Parágrafo 3: Lacan J., Seminário, Livro  XVII, O avesso da psicanálise, Rio de janeiro, Jorge Zahar, p. 89 e p. 129
Parágrafo  4 : Lacan J., « Le malentendu », Ornicar 22-23, printemps 1981, p. 12
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